31 de março de 2009

O PASTOREIO

Era agradável levantar cedo, nos dias em que, por qualquer razão íamos para os matos, e acompanhar os pastores, madrugada cedo, rumo às vacas.
Lá em casa, era o meu irmão Celestino, que normalmente se ocupava das vacas, isto no que concerne especialmente à sua ordenha. Por vezes, consoante a distância a que as vacas se encontravam, era preciso sair de casa cerca das duas horas e meia três da manhã, para percorrer oito a dez quilómetros para cada lado, por veredas e atalhos com muito mau piso, saltando portais com as pesadas canecas de madeira de cedro atrás das costas penduradas numa foice, onde se cruzava o bordão – cajado. Havia que chegar muito cedo às vacas, caso contrário seria difícil ordenhá-las. As moscas eram tantas, que o animal não parava com os pés e com o rabo, tentando sacudir as moscas, mas muitas vezes, lá se ia também a caneca e por conseguinte o leite
Parece-me estar a ver o Tio João Jacinta, com uma pequena caneca de madeira de um litro – à qual eu achava muita graça - pendurada na foice juntamente com um molhinho de milho basto ou espiga de milho, a caminho da pastagem, (do mato) percorrendo os tais quatro a cinco quilómetros para cada lado, ordenhar a sua cabra. Não tenho a certeza se no regresso a caneca de um litro vinha cheia ou não. Contudo, havia também alegria e outras coisas que recordo com muitas saudades. Parece-me estar também a ouvir o Jacinto Pereira Evangelho, já falecido, a tocar o seu búzio, todos os dias, manhã cedo, quando chegava junto das vacas fora da encumiada.
Tocava-o tão bem que parecia um rouxinol. Apesar da muita distância, ouvia-se em toda a freguesia, no silêncio das manhãs do verão. O mesmo acontecia com o António Cambóio, quando chegava ao cabecinho, (pastagem alta) onde tinha também o seu búzio escondido debaixo dumas leivas.

PASSEIO AO BALDIO - O Ajuntamento do Gado

O ajuntamento do gado bovino na serra, era no dia 22 de Setembro de cada ano – o dia seguinte à festa de São Mateus, na freguesia do mesmo nome. Nas Juntas de Freguesia, havia o arrolamento para pôr o gado ovino (ovelhas e carneiros) a pastar nos baldios sob a administração da Câmara Municipal, onde era efectuado um registo próprio do sinal de cada pastor, com as suas marcas próprias no gado. As marcas eram do género: “ ovelha branca com a orelha direita traçada na ponta e duas mossas; orelha esquerda, rachada na parte de cima e um furo a meio “
“ Um carneiro preto, com a orelha direita rachada e dois furos na esquerda “ etc. etc.
Madrugada muito cedo pastores e curiosos, largavam das várias freguesias em romaria a pé com seus farnéis no sarrão, um grande corno de boi cheio de vinho para a viagem amarrado com um cordão nas armelas colocadas nos dois extremos e pendurado ao ombro, e lá se iam encontrar não lugar da serra da Madalena, donde partiam todos juntos rumo aos baldios juntar o gado com a ajuda dos cães. À medida que iam apanhando o gado, iam-no concentrando no curral da Câmara Municipal onde eram depois separados pelas respectivas freguesias. Depois do ajuntamento, comiam e bebiam provando o vinho “dos cornos uns dos outros”, e lá seguiam a pé, conduzindo o gado, rumo às suas freguesias.

A SEPARAÇÃO DO GADO

No lugar do costume, já na freguesia, havia sempre muita gente à espera de ver a chegada do gado. Juntavam-se as pessoas para ver aquela festa e os donos do gado a escolher novamente os seus animais, pelas marcas. Haviam pessoas que só tinham uma ou duas ovelhas, e pediam aos amigos que lhas procurassem e trouxessem, juntamente com as deles.
Nos dias seguintes, procedia-se à tosquia das ovelhas. Eram tosquiadas duas vezes por ano. Em Março, antes de irem para o baldio e em Setembro, após a chegada. Tosquiadas as ovelhas era colocadas nas vinhas depois de vindimadas, sempre havia por ali umas ervas ainda verdes e outras já secas com que elas se entretinham. Os maiores pastores, vendiam então a sua lã, que era uma das fontes de receita daquelas famílias. Lembro-me com muitas saudades, como se fosse hoje, da minha mãe me dizer: “Vai a casa do Sr. João Correia, e diz à Tia Rosa Pintassilga – sogra dele – que venda duas libras de lã, que a mãe depois passa lá a pagar”.
Estou como quem está vendo a Tia Rosa com os seus oitenta e muitos anos, à procura da balança e dos pesos. Era uma balança de dois braços com um ponteiro a meio, cujo equilíbrio se verificava na peça que também servia de suporte, presa na mão. Aos pesos, eu achava muita graça; eram pedrinhas lisas do calhau, muito bem aferidas, e com um orifício onde se prendia a ponta do gancho de um dos lados da balança, brilhantes da gordura das ovelhas que a lã continha. Havia pesos de libra e meia libra. A lã era utilizada na nossa casa, como aliás nas dos demais, especialmente para, depois de muito bem lavada, cardada e fiada, neste caso pela minha mãe, fazer as meias para os homens, sempre protegia e aquecia os pés dentro dumas aparcas feitas com uma tira de pele de vaca curtida nos curtidores artesanais. Mas, meias de lã, só para os mais velhos e ou mais abastados.

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