29 de março de 2009

A CAÇA Á BALEIA

















A caça à baleia, fez-se por quase todas as Ilhas dos Açores, mas eram desta Ilha do Pico os mais bravos baleeiros, desde o tempo em que embarcavam nas baleeiras americanas clandestinamente, nas rochas do calhau durante a noite, situação muito vulgar, algumas gerações anteriores à minha, como atrás foi dito.O custo da viagem para os Estados Unidos, onde eram deixados à sua sorte, mal encontrassem a terra, era ter que trabalhar a bordo de seis meses a dois anos na caça e transformação das baleias, derretendo-as, ou até encher os tanques da baleeira de azeite.Desembarcados na América, eram, ao contrário das tartarugas quando nascem, estas para fora, eles para dentro, cada um à sua sorte.Assim aconteceu também com o meu avô paterno, António Francisco Manuel, cujo paradeiro foi a serra de Nevada como pastor – vigia de ovelhas – os chamados “Ovelheiros“, ganhando meio peso – meia dólar – por quinzena, alguns casados e com filhos como era o caso dele.Sou do tempo em que até o azeite de baleia, era racionado.Só vendiam um litro a cada pessoa, o que fez com que fosse necessário, eu, com apenas os meus 4 anos, ir conjuntamente com os meus dois irmãos mais velhos, para a bicha, na chamada casa da baleia no porto da freguesia vizinha de São Mateus, a cerca de quatro quilómetros de minha casa onde se derretiam algumas baleias, quando as outras fábricas da ilha estavam cheias.Era conveniente estar por lá cerca das cinco horas da manhã para tomar lugar na fila de espera, com as famosas bilhas de genebra (grés) que só por si, pesavam quase um quilo, caso contrário, corria-se o risco de regressar a casa sem azeite para a candeia.Da baleia extraíam-se também os dentes de marfim, com os quais, mais tarde, se fez artesanato alusivo à causa; ora com gravações em relevo, ora com scrimshaw.Nesta especialidade, haviam grandes artistas. Em meu entender e no meu tempo, era a Fátima Madruga, a mais perfeita.Além da perfeição na execução da obra, apresentava motivos reais relacionados com as cenas da caça à baleia e autenticas fotos dos mais bravos baleeiros do Pico.Tenho muito orgulho numa pequena colecção de dentes de cachalote com alguns dos melhores trabalhos feitos, pelas delicadas mãos da minha amiga Fátima Madruga, o que já hoje vai sendo coisa rara.Também me lembro muito bem, de algumas famílias dafreguesia que tinham embarcações de pesca próprias, como por exemplo: o Tio Francisco Jorge, Tio Manuel da Ritinha do Cabeço, o irmão António da Ritinha, os Vigias, o José Mateus e outros, irem pescar aos albafares bravos, para derreter os fígados para queimar o óleo na iluminação das suas casas.Usava-se ainda este azeite de albafar para lubrificação de certas ferramentas e rodízios e havia ainda quem nele molhava um comprido cordão de fiado da lã, que se punha à volta das plantações de batatas-doces nas hortas, para afastar os coelhos bravos, que normalmente vinham das suas tocas, comer a rama das mesmas.Na lha do Pico, como é sobejamente conhecido, vivia-se muito à volta do mar e por conseguinte também da baleia. Não exclusivamente, mas como complemento, sempre era uma boa ajuda, receber por uma soldada no fim do ano, cerca de 1000$00 mil escudos (hoje 5 Euros). Todos tinham, geralmente os seus pedacinhos de terra, onde cultivavam umas batatas, inhames, milho, feijão, abóboras, etc.. Isto na década de 40.Mais por fim, em anos bons, chegou-se a dividir soldadas anuais entre os 3.000$00 e 5.000$00 escudos (quinze e vinte e cinco euros).Existiam várias armações baleeiras na ilha. No Cais do Pico, Vila das Lajes do Pico, Ribeiras e ainda outra na Freguesia da Calheta de Nesquim.Haviam frotas estrategicamente colocadas nos diversos portos da Ilha, para que pudessem chegar mais depressa à ou às baleias, consoante se tratasse duma baleia (cachalote) grande e isolada, ou de um cardume.No meu tempo, recordo-me de existir uma frota instalada em São Caetano: dois botes e uma lancha, a Espartel, a lancha que melhor andava na sua época. Em São Mateus: Três botes e uma lancha, nas vilas das lajes,14 botes e quatro lanchas, na Freguesia das Ribeiras, duas lanchas e quatro botes na Calheta de Nesquim, duas lanchas e sete botes e ainda uma grande frota que não sei quantificar, no Cais do Pico.Quero deixar aqui uma ressalva, no que diz respeito às quantidades cuja certeza não tenho presente, pois ainda hoje alguns que continuam atentos, não me perdoariam se os esquecesse.Havia duas fábricas de transformação das baleias. Uma nas Lajes do Pico, outra no Cais do Pico, onde além da transformação do toucinho em azeite, se fabricavam também farinhas da carne e dos ossos daquelas, para adubos e alimentos de certos animais. Como já disse, também se derreteu no porto de São Mateus.
A Vigia da BaleiaExistiam vigias - uma pequena cabine com uma ranhura horizontal na frente - em vários pontos vitais da ilha, normalmente sobre cabeços ou lugares altos e bem vistosos, feitas em pedra.Os vigias ali colocados, principiavam manhã cedo no seu labor, correndo com os seus binóculos de 18 vezes minuciosamente os amplos horizontes à sua vista, na expectativa de serem os primeiros a localizar as baleias e atirar o foguete – os vigias ganhavam um pequeno ordenado e também uma soldada.Havia muita rivalidade entre as diversas companhias a laborar na ilha.Dia de baleia, era dia de alvoroço na freguesia. Estalava o foguete e, todo o baleeiro, estivesse onde estivesse, largava tudo e corria em direcção ao porto. Nem passava em casa.A mulher ou filhos iam levar-lhe a comida e mais alguma peça de roupa ao porto, enquanto estes iam arreando os botes, pois a lancha já se encontrava no mar presa na sua amarração própria.Os baleeiros tinham outras actividades. Não era possível viver exclusivamente só daquela.Consta-se – e é verdade, pois foi-me confirmado pelo próprio - que no lugar da Ribeira do Meio, freguesia das Lajes do Pico, o mestre Francisco Machado, mais conhecido pelo “Barbeiro”, (actualmente sogro do meu irmão Jorge e meu grande amigo) que exercia também e com muita perícia aquele ofício, ao ouvir o foguete para baleia, deixou sentado na cadeira da sua barbearia o João Medina, também conhecido pelo João Cabo-de-mar, com meia barba feita e outra meia por fazer.
Era assim. Primeiro a baleia. Havia toda uma expectativa em várias direcções.Os baleeiros na de caçar a baleia, as famílias na de que algo poderia não correrem bem, os armadores e os merceeiros, na expectativa de lhe chegar também um dinheirinho, etc. etc.Não foram poucas as vezes em que, nem todos regressaram a casa. Por vezes as coisas corriam mesmo mal.A baleia ao sentir o arpão na pele, reagia das mais diferentes maneiras; ora levantando e voltando o bote, ora batendo-lhe com o rabo de cima para baixo partindo-o e deixando tudo e todos espalhados por cima das águas profundas e salgadas, à conta de Deus e à sua sorte.Nesta operação, muitas vezes os que eram directamente apanhados, tinham morte quase instantânea. Alguns, nunca mais apareceram.

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