31 de março de 2009

FESTA DO SENHOR BOM JESUS

A seguir, vem a grande festa do Senhor Bom Jesus Milagroso, que se venera no Santuário da vizinha freguesia de São Mateus, aos seis dias de Agosto de cada ano.
Semanas antes, preparam-se todos os caminhos, pintam-se as casas, enfeitam-se as ruas, colocam-se centenas de balões de papel de várias cores com uma vela de cera no seu interior onde irá funcionar o arraial – normalmente até ao lugar do Passo. Quase toda a gente recebia romeiros doutras paragens. Na véspera, o conhecido dia do “fogo preso“, principiava o arraial.
Tocavam as filarmónicas constantemente, os amigos encontravam-se; uns passeavam no arraial outros, os que podiam, comiam e bebiam nas tascas os mais saborosos petiscos e mariscos acompanhados do bom vinho do Pico, outros ainda iam dar a sua pancada na Margarida.
Margarida era uma mesa redonda com pequenos pregos à sua volta, por onde passava a palheta duma roleta, onde se encontravam alguns brindes, normalmente chocolates, uns maiores, outros mais pequenos, e, onde a palheta parasse, era o prémio que se havia ganho. Cada pancada na Margarida custava um escudo. Ao lado, o José do Chico embalava com o pé sobre uma roda o seu “Bismark” – um carrinho feito em madeira, com três rodas, em forma de navio, pintado de branco – enquanto ia anunciando os seus saborosos sorvetes: “ Olha o belo sorvete ananás que alegra a rapariga, satisfaz o rapaz e refreca as ideias. Custa apenas cinquenta centavos ($50) e cura a dor do apêndice, quando no hospital custa 1.200$00 (um conto e duzentos)… ICE CREAM… De facto eram saborosos, e para quem só tinha aquela oportunidade uma vez por ano, havia que aproveitar, havendo os $50, claro. Mais além via-se uma barraca com alumínios, latas, funis, candeeiros panas de todos os tamanhos, etc. etc. onde se podia comprar um envelope fechado contendo um número que indicaria a nossa sorte pela quantia de 2$50 (dois escudos e cinquenta centavos).
Ao lado, estava a barraca das latas. Eram cinco latas sobre uma tábua, colocadas a uma certa distância. Jogar três bolas de trapos, custavam também os mesmos 2$50, que se atiravam às latas. Quem conseguisse atirá-las todas ao chão duma só vez, ganhava uma cerveja que custava 3$50. Veja-se o lucro, e quando calhava. Normalmente, saia dali cada uma cara triste que nem me quero lembrar. Debaixo dos plátanos, à sombrinha, lá estavam os vendedores de fruta da Criação Velha com os seus cestos de vimes brancos cheios de uvas – preta e branca – figos, maçãs, peras, maracujás, etc. cujo cheiro ia longe e fazia crescer água na boca. Para muitos… “ estava verde “. Pelo arraial, passeavam-se as pessoas, entre as quais, algumas mais carismáticas, e que os rapazes de quem o diabo fugiu, gostavam de encontrar. Era o tio José do Salão, pequenino, e de pescoço franzido a quem os rapazes achavam graça, pois ele até dizia que empalhava garras e garrafões com vimes, era o João das muletas, era o José Moreia, o Samacaio, etc. Por outro lado eram da praxe, as cantigas ao desafio. Todos os anos, lá apareciam, o Tio Brasil, o Funchinha e outros. Em pleno arraial, e a pedido das pessoas, lá cantavam ao desafio com as mais afinadas vozes as picantes quadras. Eram pessoas dotadas dum tal dote, que improvisavam uma quadra a pedido dos interessados, dum momento para o outro. Consta-se que um desses cantadores, o Funchinha, que mais tarde terá falecido de cancro na próstata, no Hospital da Horta, já às portas da morte, ao ser visitado pelo seu médico, o Dr. Campos, este, na expectativa de o animar, pediu-lhe para que cantasse uma cantiga. O Funchinha, que já mal lhe saía a voz, reconhecendo a sua situação, acedeu, e lá vai:

Se eu não tivesse dores
Nem sofresse das urinas
Cagava para os Doutores
E p’rás suas medicinas

Do Faial, vinham dois ou três Polícias, mais que suficiente para resolver quaisquer mal entendidos que eventualmente pudessem acontecer.
Animador que não podia faltar na festa, era o José Fonseca, lá de São Caetano. Levadinho do diabo, pegava com todos, até com o pobre do Tio José do Salão. Um dia, chegou-lhe a brasa dum cigarro ao pescoço. Metia dó ver o pobre velhinho a gritar e a correr sem poder e sem saber o que fazer nem onde se devia meter. Abaixo do adro, nas escadarias de pedra, eram montadas as tribunas, todas seguidas, onde tocavam as filarmónicas. Quando não tocavam, as pessoas iam lá para cima, pois era lugar vistoso onde se descobria a maior área do arraial, e um eventual amigo ou amigo que já não se tinha visto há anos.
Por debaixo do mesmo, andavam os rapazes a brincar, normalmente com as canas dos foguetes.
Uns esforgulhavam para cima, outros para baixo a ver quem atingia primeiro o outro, e outros ainda, os mais maldosos punham-se a vigiar pelas frestas das tábuas, quaisquer distracções das pessoas que estavam na parte de cima. Era a força do verão, e daí o muito calor. Estou a ver o José Fonseca, a enfiar a sua cana de foguete, até onde pôde, como quem fisga um caranguejo.
Isto prolongava-se pela noite dentro até depois da meia-noite para alguns e até de manhã para outros, alguns curtindo grandes bebedeir. No dia do fogo, a véspera da festa, nas traseiras da igreja, procedia-se à arrematação do gado – bezerras, vacas e bois – proveniente das muitas promessas feitas ao Senhor Bom Jesus por algumas pessoas em horas de aflição e que revertiam a favor da paróquia.
Enquanto isto, alguns dos balões de papel, quando a respectiva vela chegava ao fim, lá se iam incendiando ao que o pessoal fazia um grande alarido.
No dia seguinte, 6 de Agosto, a festa continuava. À tarde, cerca das dezanove horas, saia a procissão com a imagem do Senhor Bom Jesus, prosseguida dos “anjinhos” e outras pessoas, cumprindo as suas promessas com grandes tochas de cera, e até algumas de joelhos no chão, acompanhadas de familiares e de muitas pessoas, a toque das muitas filarmónicas, distribuídas pela mesma. Normalmente, e apesar da grande extensão do giro da procissão, antes de acabar de sair, já entrava o guião da frente e as primeiras pessoas.
Depois da chegada da imagem, esta era voltada para o público e, em jeito de despedida, era tocado o seu Hino, pela totalidade das filarmónicas, normalmente sob a regência do professor Sr. José Inácio Garcia de Lemos, músico e dirigente destas festas. Entretanto, as pessoas continuavam a pagar as suas promessas, quer entregando as suas esmolas em dinheiro aos pés da imagem e recebendo uma estampa e ou medalha do Senhor, quer dando voltas à igreja de joelhos, algumas já com eles em sangue, amparadas por familiares.
No interior da igreja, os padres pregavam sermões, a pedido das pessoas, cumprindo também as suas promessas. À noite, prosseguia o arraial, enquanto alguns, os de mais longe iam rumando a suas casas nomeadamente os do Faial, que iam procurando os autocarros, rumo à Madalena, onde apanhavam as lanchas para a Horta.
Assim terminava a festa. Cada um para suas casas. Havia que esperar mais um ano por igual dia.

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