31 de março de 2009

CURTUME DE PELES

OS CURTIDORES

Era em São Caetano que havia o maior número de curtidores de peles. Lá conheci pelo menos dez dessas indústrias familiares a funcionar ao mesmo tempo.
Estes transformavam as peles em sola e carneira. A sola era a pele dos animais maiores, bois e vacas e a carneira dos bezerros e cabras que, depois de muito bem trabalhadas eram depositadas nuns poços com água e cal para lhe retirar o cabelo. Depois eram passadas a cutelo para descarnar e tirar impurezas. Depois eram novamente depositadas no mar amarradas com correntes durante vários dias.
Entretanto, na falta de outras drogas próprias para a curtimenta e ou de dinheiro, os curtidores arrancavam faias donde lhe extraiam a casca das raízes, que depois de muito bem batida, era colocada juntamente com as peles a curtir num poço. A seu tempo era pregada com pregos numas tábuas e postas a secar ao sol e, depois de bem secas, eram cortadas às tiras e vendidas.
Com a sola, faziam-se as aparcas, com a carneira, faziam-se as correias, para atar quer as botas, quer as aparcas e ainda as luvas para mondar as mondas agrestes, as silvas, para curtir em estrume no curral do porco e que seria utilizado especialmente nas sementeiras e culturas diversas. Era com o estrume dos animais que se estrumavam as terras, hoje a chamada agricultura biológica. No tempo, não existiam adubos.
Quase todos os curtidores, iam vender a maior parte da sua sola, cortada às tiras e metidas num saco às costas, para as outras Freguesias. Era tal palmilhar quilómetros, porta-a-porta, freguesias fora.
Às alparcas feitas de sola e com umas arreatas de carneira, eram pregados uns pedaços de borracha, extraída normalmente do meio dos pneus deixados de ser usados pelos automóveis, borracha essa que não era barata nem fácil de encontrar, pois os automóveis eram muito poucos, relativamente à procura.
Mais tarde, a melhor borracha, vinha da base aérea das Lajes da Ilha Terceira, proveniente dos pneus dos aviões, essa mais larga e de muito melhor qualidade, e por conseguinte maior duração.
Havia pobreza, mas hoje em dia, apesar da muita abundância, em certas casas, penso que não há a alegria que, apesar de tudo, reinava naqueles tempos. E como diz o povo, ainda a procissão vai no adro.
Mesmo assim, já havia quem dissesse: “vale tudo menos tirar olhos”, hoje, começa-se por tirar os olhos, pois já facilita as coisas.
No meu livro de leitura da 4ª. Classe do ensino primário, como se chamava, li no rodapé de um trecho, um pensamento salvo erro de Eça de Queirós, que sempre me norteou por toda a minha vida:

“A nossa melhor recompensa... É a paz da consciência”

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