29 de março de 2009

AS VINDIMAS

Freguesia de São Caetano – Pico – anos 40/50 do Século XX.
Era chegado o verão. Aproximava-se a época das vindimas. Toda a gente lavava os cestos e preparava as suas vasilhas. Alguns punham-nos de molho na água salgada. Diziam que não só ficavam limpos, como a própria água do mar os conservava. Era a também a época da apanha dos bonitos (atum) e das bicudas, era preciso salgar e secar alguns peixes para se fazerem os saborosos molhos fervidos de cebolada para os almoços e jantares nas vinhas e nas adegas. Com tanto calor, comer um bom pedaço de bonito ou bicuda num molho fervido com batas brancas cozidas ali mesmo na adega, num caldeirão sobre duas pedras, com lenda das próprias videiras da vinha da adega, um bocado de bolo quente e umas tigelas de barro de vinho velho ou até misturado com mosto, à sombra, era muito agradável naquela época. A partir da última semana de Agosto, já começava a colheita normal das uvas, especialmente das vinhas da beira costa, que por serem mais secas, a uva amadurecia primeiro. Alguns, até aproveitavam para fazer o primeiro vinho já para ser bebido às refeições por altura das vindimas, e outros, os mais sequiosos, aproveitavam-no para matar o vício e rachar a cabeça um pouco mais cedo. Era uma época alegre e desejada, principalmente pelas camadas mais jovens que se juntavam a ajudar uns aos outros. Dados os ajuntamentos, era também uma bela altura para uns namoricos. Cantavam, riam, brincavam, assobiavam naquelas vinhas, saltando os portais de pedra, andando por veredas e atalhos num corrupio com os cestos às costas e à cabeça, no caso das mulheres, etc. Em certas adegas, em dia de vindima, normalmente depois do jantar e a uva já nos balseiros para a fermentação, havia folia; dança, cantares e guitarradas. A adega dos meus pais era de dois pisos, rés-do-chão e primeiro andar. O engenho de esmagar as uvas era colocado no primeiro andar onde havia uma abertura no soalho, por onde as uvas caiam já dentro dos balseiros - dois depósitos em betão que existiam num canto do rés-do-chão. Passados cinco a seis dias, eram então sangrados os balseiros pelo borreiro existente na parte inferior dos mesmos. O vinho que ia saindo, era metido nas pipas onde ficava a repousar cerca de dois meses. Depois era passado a grandes celhas de madeira de cedro chamadas adornas. As pipas eram lavadas, e o vinho, agora limpo da borra, ia novamente para dentro delas, e, a borra, era posta juntamente com a casca (bagaço) da uva para queimar no alambique e transformar em aguardente. Um dos ex-libris da freguesia, eram os alambiques do Sr. Azevedo. Um grande armazém dum só piso, com três engenhos de queima: Um grande, um médio e um mais pequeno, que eram usados conforme a necessidade. No armazém, havia uma grande zona, onde se encontravam colocados sobre canteiros, grandes balseiros de madeira na vertical e de boca aberta, que eram disponibilizados pelo dono do alambique, o Sr. Azevedo, para quem não tivesse vasilhas suas ou sítio próprio, os poderem utilizar, colocando ali os figos das suas figueiras a fermentar, até que fossem também transformados em aguardente. Era hábito no dia de fazer aguardente, e por altura do enchimento em grandes garrafões lá mesmo no alambique, dar a provar “da nossa” a quantos ali se encontrassem, começando pelo lambiqueiro, no meu tempo o mestre Augusto. Escusado será dizer que todos os dias naquela época – Outono – havia sempre algumas pessoas que aproveitavam para ir buscar uns galheiros (lenha) a umas terras que (não) tinham ali para aqueles lados, e, à hora da prova, também lá estavam. Na freguesia, como na ilha do Pico, quase todas as pessoas tinham a sua adega onde faziam e guardavam o vinho e a aguardente.
Havia pessoas que todos os dias davam o seu passeio à adega. Convidavam-se os amigos, onde com qualquer petisco, nem que fossem uns chicharros assados com um pedaço de bolo, uma lata de sardinha de conserva e umas malaguetas, favas torradas, etc. se bebiam umas tigelas de vinho, ou uns copinhos de aguardente, para quem preferisse. No dia de São Pedro, 29 de Junho, fazia-se dia Santo. Quase toda a gente ia à adega com a merenda, sem faltar as favas torradas, como era tradição. À tarde, juntavam-se no largo de São João, ali abaixo dos moinhos.
Havia quase sempre quem trazia uma viola e ou uma guitarra, e toca a bailar chamarritas do Pico, dançar e cantar. Às vezes, para alguns a coisa aquecia mesmo a sério e chegavam a casa com a cabeça rachada, o nariz partido, a cara arranhada ou a camisa rasgada, ora por empeçarem nas paredes que eram teimosas em não se desviar, ora por certas rixas até de ocasião com os próprios amigos, que se encontrassem nas mesmas circunstâncias. O vinho, era também uma das poucas fontes de receita de muitas famílias da ilha do Pico.

A Canção do Vinho

Era o vinho meu bem era o vinho
Era o vinho que eu mais adorava
Só por morte ó meu bem desta sorte
Só por morte é que o vinho eu deixava.

Quero ver-me encostado a uma pipa
Com um copo de vinho na mão
Que o bom vinho represente o meu sangue
E o copo o meu coração.

Quero morrer à porta da adega
C’o este copo de vinho na mão
Das garrafas fazer castiçais
E das pipas fazer o caixão.

Paisagem da cultura da vinha no Pico - Património Mundial

A paisagem da cultura da vinha na ilha do Pico – Açores, abrangendo uma enorme área da Ilha, incluindo adegas, solares, ETC., foi considerada PATRIMÓNIO MUNDIAL pela agência das Nações Unidas – UNESCO – na sua reunião de 2 de Julho de 2004 na cidade Japonesa de Suzhou. O vinho verdelho produzido na Ilha do Pico, devido à sua elevada qualidade, chegou a ser servido à mesa dos czares e no Vaticano.

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