31 de março de 2009

COSEQUÊNCIAS DA CONJUNTURA

EMIGRAÇÃO PARA OS ESTADOS UNIDOS

A maior preocupação destes emigrantes, era conseguir umas poupanças que dessem para comprar uns alqueires de terra no Faial – Um alqueire de terreno, eram e ainda são 960 m2 – onde os terrenos eram mais férteis, como foi o caso do meu avô. Rendiam anualmente por alqueire, entre três a quatro sacos de milho, conforme os sítios.
Um saco de milho eram 5 alqueires com cerca de treze quilos cada, de forma a garantir o bolo (o pão) para o ano para toda a família. O conduto já seria mais fácil de arranjar, ora do porco, ora ir pescar uns peixes para o famoso “ caldos-de-peie do Pico “, ou uns sargos, salemas mesmo de pedra, ou até mesmo umas lapas. A base da alimentação, era o milho, as batatas-doces, batatas brancas e inhames.

O CALDO DE PEIXE

O Caldo de peixe é um prato típico da Ilha do Pico. Para quem não conhece e quiser experimentar, fica aqui a receita para uma refeição de cerca de 10 pessoas: Põe-se um tacho ao lume com água quanta baste até ferver, à qual se juntam os seguintes temperos:
6 a 8 kg de peixe de pelo menos 2 ou 3 espécies: (bicuda, sargo, abrótea, garoupa, lírio, congro, etc.) ;
· 1 Ramo de salsa;
· 3 Folhas de louro ;
· 1 Kg de tomate;
· 2 ou 3 cebolas;
· 10 Bagas de pimenta-da-jamaica (pau de cravo);
· 4 dl de vinho branco;
· 3 Colheres de massa de malagueta;
· Vinagre quanto baste;
· 2,5 dl de azeite;
· Sal quanto baste
Para o molho cru:
· 1 molho de salsa;
· 5 dentes de alho;
· 1 Colher de sopa de sal grosso (aprox.) ;
· açaflor ;
· Vinagre quanto baste;
· Temperar a gosto com o próprio calda ou água.

CONFECÇÃO:

Corta-se o peixe em postas grossas e leva-se a cozer em lume brando num tacho com água, salsa, louro, tomate e as cebolas cortadas aos quartos, a pimenta, o vinho branco, a massa de malagueta, açaflor, vinagre e sal a gosto. À parte cozem-se batatas inteiras descascadas. Num gral pisa-se a salsa com uns dentes de alho, o sal grosso, açaflor, ao que se junta depois de tudo em papa, um pouco de vinagre e água ou até do próprio caldo, para temperar a gosto, mexendo-se bem, até ficar a gosto. Para servir, põe-se o tacho na mesa e tira-se o peixe para uma grande travessa. Em cada prato coloca-se um bocado de peixe de cada espécie que se rega com o molho cru e acompanha com as batatas e ou bolo de milho. Ao mesmo tempo, serve-se o caldo em tigelas deitando em cada, uma colher de molho cru ou vinho tinto, para quem preferir.
Come-se o peixe com as batatas, bolo de milho ou pão, ao mesmo tempo que se vão bebendo uns golinhos do saboroso caldo ou vinho, para quem o preferir. Há quem junte cominhos no caldo ou no molho. Em São Caetano, alguns deitam vinho no caldo em vez do molho cru.
O meu Avô paterno, António Pinto, como já disse, foi também um desses emigrantes nos Estados Unidos da América. Quando regressou da primeira vez à Ilha do Pico, comprou um moinho de vento. Meu pai contava que, certo dia quando tentou parar o dito moinho, ao passar um cabo à ponta da asa ainda em movimento, não tendo conseguido, foi agarrado à mesma, e só escapou a um grande acidente com a ajuda do meu avô materno que ali se encontrava, e, passou novamente o dito cabo desta feita encerrando a questão. Levou tal susto que prometeu a si mesmo: Moinhos de vento… nunca mais. Voltou então a emigrar para os Estados Unidos da América, tinha já três filhos. Quando regressou dessa segunda vez, estes, os filhos, já crescidos sem a presença do pai, não queriam aceitar aquele homem lá em casa, de maneira nenhuma.
A minha avó contava-nos muitas histórias que o meu avô passara lá nos Estados Unidos e mandava dizer nas cartas. Recordo-me duma quadra dele, que ela citava muitas vezes,

Olho para todos os lados
Nem mulher nem filhos posso avistar
Só vejo neve aos montes
Dá-me vontade de chorar

Cheguei a ver dessas cartas num baú existente na casinha de baixo da minha avó – casa de despejos e arrumações – que ele tinha trazido lá da América com as suas coisas. Recordo com saudade o meu pai a contar uma cena passada com o meu avô no rancho, lá nos Estados Unidos:
Certo dia, estava o meu avô no seu trabalho, cuidando do gado, quando chega junto dele um indivíduo montado num bonito cavalo. Apeou-se, e dirigindo-se ao meu avô, pergunta-lhe: Podes deixar-me dar água ao meu cavalo? Meu Avô respondeu-lhe: Sim, penso que o meu patrão não se irá chatear comigo por isso. Entregou-lhe um balde para o efeito, e o dito homem, depois de dar a água ao cavalo, atira o balde ao ar e dá-lhe com o calcanhar da bota, tendo o balde ido parar longe. Meu avô todo irritado com tal atitude, dirige-se ao homem em tom severo e pergunta-lhe: Então é assim que você agradece depois de haver sido servido? Resposta: O teu patrão, o Mela é muito rico, esse balde não lhe faz falta nenhuma! Meu avô respondeu-lhe exaltado: Se o meu patrão tem muito dinheiro é o seu trabalho, e eu estou aqui para zelar pelas coisas dele, como se fossem minhas. É para isso que ele me paga. O Homem deu uma valente gargalhada, montou o cavalo e zarpou. No final do mês, qual a espanto do meu avô, quando foi chamado ao escritório do patrão. Todo nervoso, sem saber do que se iria passar, depara com o “Homem do cavalo” que lhe pergunta: Conheces o Mela? Diz meu avô: Não senhor, não conheço. Então ficas conhecendo: O Mela sou eu. A partir desta data tu serás o encarregado deste rancho e passas a ganhar o dobro do que estás ganhando, $2 dolars por mês. O meu avô, depois de regressar ao Pico pela segunda vez, comprou terras na Freguesia na Feteira, na Ilha do Faial e também no sítio do Arrodeio, da freguesia vizinha de São Mateus. Além disso, ia também à pesca local, e assim, apesar das muitas doenças que aconteceram lá em casa nos filhos e nele próprio, havia uma mesa abundante.
A minha avó paterna e a minha tia Margarida, faziam um bolinho de milho muito bem feito, que não desmerecia o da minha mãe. Coisas que nunca se esquecem e deixam grandes saudades pela vida foram. Fui muitas vezes com a maquia de milho metida de capuz na cabeça, a moer aos moinhos de vento e moagens, tanto na Prainha como na Terra do Pão e São Mateus. No regresso a casa, a farinha quente quase nos cozia a cabeça, razão pela qual alguns apanhassem grandes problemas de saúde para o futuro.
No verão, quando não havia vento, era quase uma tragédia. Só mesmo nas moagens.

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