31 de março de 2009

FESTA DO NATAL

Aproximava-se o Natal. Vinham aí as novenas, não se podia faltar. Além da componente religiosa, serviam não só de protesto para sair de casa à noite, o que não era autorizado naquela época, mas também para encontrar os amigos e ver as raparigas.
Cerca de três semanas antes do Natal, as pessoas, em quase todas as casas, punham o trigo em pequenos pratinhos com água, para abrolhar e estar crescido e bem verdinho para ornamentar os altarinhos do Menino Jesus e os presépios. A Senhora Beliza Nunes, era quem fazia o altarinho mais bonito e mais concorrido. Era ali que eu ia mais a minha mãe durante os quinze dias de novena, rezar e cantar ao Menino Jesus.
Parece-me estar a ver e ouvir a minha Avó Margarida Marques, normalmente a orientadora do terço e outras pessoas daquele tempo, que recordo com muita saudade.
Haviam os chamados ranchos do Natal, compostos pelos melhores instrumentistas de cordas. A guitarra, normalmente bem tocada pelo Manuel Correia da Silva, o bandolim, pelo meu tio Deodato Marques, o violino, pelo António da Vigia, o violão pelo Prudêncio, a viola, o ferrinho e as melhores vozes dos jovens e adultos que cantavam os mais lindos versos alusivos à quadra Natalícia. Nestes ranchos, haviam normalmente duas pessoas que cantavam à frente os versos, e um grande coro que cantava atrás, uns e outros a duas vozes. Era hábito, os donos da casa brindarem os intervenientes no rancho quando acabavam de cantar, com aguardente, angélica, aniz ou traçado, normalmente bebidas caseiras, que quase todos tinham, acompanhadas por uns figos passados e ou umas bolachinhas. Atrás destes ranchinhos, juntavam-se muitas pessoas, nomeadamente os mais novos, para os ir ouvindo cantar pelas casas que normalmente os recebiam e onde se juntavam também muitas pessoas durante o serão. Era também hábito, as pessoas visitarem os presépios e os altarinhos na quadra do Natal, para ver qual era o mais bonito. Quando o rancho era considerado mesmo bom, visitava também as freguesias vizinhas.
No dia de Natal, à tarde, havia a procissão do Menino Jesus, com as crianças levando as suas ofertas. Um levava um galo, outro uma galinha, outro uma dúzia de ovos, uma perna de massa sovada, uma cesta de laranjas, uns biscoitos, uma garrafa de aguardente, um garrafão de vinho, um cesto de asa de batatas, etc. etc.
Recolhia a procissão e principiava o arraial, com música de filarmónica, enquanto se procediam às arrematações das ofertas. Os mais afoitos lá iam picando e cobrindo o último lanço. Era uma forma de ajudar a receita da igreja e sempre se levava qualquer coisa para casa. Afinal, eram dias de festa. Alguns aproveitavam também a oportunidade para exibir as suas posses.
Na semana seguinte, era o Fim do Ano. Ano Novo e novamente os seus “ranchinhos”, agora com novos versos desejando um FELIZ ANO NOVO. Contavam-se os dias com esperança e alegria.
Normalmente, para as coisas da igreja, não faltava tempo. Minha mãe, tinha sempre tudo controlado, para que, ninguém – muito especialmente ela – faltasse a novenas ou qualquer devoção que houvesse na igreja da freguesia.
Havia uma época do ano que me impunha muito respeito. Era o mês de Novembro o chamado mês das almas.
Nos altares laterais da igreja de São Caetano, eram colocados quadros do purgatório e até do inferno, com figuras tão feias que não lembrava ninguém. Era o Diabo com cornos enormes, dentes a condizer, garras de leão, todas num ar de grande sofrimento, para lembrar o Inferno. Para o Purgatório, eram as alminhas também em sofrimento espiando as suas penas.
Havia missa pelas alminhas do purgatório às cinco horas da manhã e novamente devoção às sete da noite.
Os sinos, dobravam como se tivessem anunciando a morte de alguém na freguesia ou por altura dos funerais.
Muitas das pessoas, como eu também, sentiam-se aterrorizadas. Só viam e sentiam almas por todo o lado naquele mês. Nós, os mais novos, tínhamos medo de sair de casa à noite ou de manhã cedo, especialmente os que ia às pastagens altas ordenhar as vacas, que saíam de casa madrugada cedo. Parece-me estar a ouvir a minha mãe que vinha sempre à porta à saída e, a chorar recomendar sempre que fossemos rezando para ajudar a passar o caminho.

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