31 de março de 2009

COISAS DUM PASSADO RECENTE

Na minha infância, a vida era mesmo dura. Havia que fazer um pouco de tudo, o que para muito boa gente servia apenas para sobreviver. Os menos activos, passavam grandes necessidades. Disso dou testemunho. Vi muitas vezes alguns amigos meus que viviam abaixo do limiar da pobreza, ao Domingo, quando vínhamos do banho já à tarde, cheios de fome, pois havia que aproveitar bem o dia, visto que só podia ser depois da missa - durante a semana era para trabalhar - quando entravamos em casa de alguns destes companheiros que moravam muito antes da minha casa, presenciei muitas vezes, eles à procura de qualquer coisa para comer, mas... pouco ou nada encontravam. Contavam-me meus pais que, duas gerações antes da minha, numa casa da freguesia, mais propriamente dos pais da Tia Mariana Bodiche, que muito bem conheci, madrinha da minha mãe, e casada com o tio dela – o Tio José Marques, havia uma grade feita de canas – a chamada queijeira - pendurada nos tirantes da cozinha, como aliás acontecia em muitas casas, onde se punha o bolo de milho. Por um lado para estar à fresca, por outro, ficava fora do alcance dos ratos (murganhos). Em muitas casas, o bolo, era distribuído pela mãe e apenas às refeições. Olhava-se e não se tocava. O Francisco, o mais atrevido, aproveitando uma distracção do pessoal lá de casa, vai à grade, pega num quarto de bolo e em dois torresmos do porco dos tais da graxa, e zarpou a correr. A irmã, ao ver o desaforo do Francisco, começa a gritar pela mãe: Ó mãe! Lá vai o ladrão da perna mourisca com um quarto e dois...
Dinheiro, havia pouco na maioria das casas. Os que só viviam da pesca artesanal, muitas vezes não tinham a quem vender o seu peixe. Levavam-no para casa e mandavam os filhos com pequenos cambos às portas de alguns mais abastados onde o poderiam vender ou lhe darem qualquer coisa em troca. Era muito falado um caso de um desses pescadores que, nessas circunstâncias, mandou uma filha que bem conheci, a caso do Tio Manuel da Ritinha com um desses cambos de peixe. Ali, ou porque não tinham dinheiro à mão na ocasião ou por distracção, agradeceram, mas, nada lhe deram. Tendo chegado a casa a moça com as mãos a abanar, a mãe perguntou-lhe: Que é que te deram? Não me deram nada. Esta respondeu: então, vai já lá depressa buscar o peixe e diz que te enganastes, que não era para ali.... Não lembrava ao diabo.

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