30 de março de 2009

AS FEITICEIRAS

Terminadas as vindimas e o vinho já descansado nas pipas, era então a época das feiticeiras.
“Pelo São Martinho, vai à adega e prova o vinho”

Constava-se que uma vez, o meu avô materno que bem conheci, Manuel Amaro, convidou o seu amigo Armando Garcia da Rosa, mais conhecido pelo Armando da Lúcia, para irem à sua adega, na canada dos coxos. A certa altura, depois de bebidas uma valentes tigelas de vinho, e, quando o juízo começava a baralhar, normalmente entravam na conversa, as feiticeiras. Já a caminho de casa pela canada dos coxos fora, noite escura, meu avô que era dado a umas certas baldas, abraçara-se a um cepo duma faia que estava na berma do caminho, e grita: Armando… olha aqui uma feiticeira, chega-lhe Armando que eu tenho-a bem presa. Ora o Armando que não estava nada melhor e tinha uma pancada ainda maior que a do meu avô, deu-lhe... enquanto as mãos aguentaram. Ficou como um Cristo.
Havia muito medo, especialmente durante a noite. Até o simples molho de cana ou espiga de milho que os pastores levavam madrugada cedo, às vacas, ao roçar nas pesadas canecas de madeira de cedro, já pareciam almas do outro mundo a atacar por todos os lados. Seriam boas? Seriam más? Era a dúvida.
Os rapazes, contavam uns aos outros, histórias que ouviam em casa e aos mais velhos, do que tinha acontecido a este e àquele, que eram de arrepiar os cabelos e fazer pele de galinha.
Meu primo Delfim, já falecido há muitos anos no Brasil, era um especialista nesta área. A mãe dele, minha tia Virgínia, tinha estado na América onde nascera, muitos anos, e, “muitas delas eram então americanas”, por isso, eram mesmo verdade e muito mais importantes.
Íamos para a casinha de palha de meu Avô na canada dos coxos, e, normalmente, quando a cena acabava, já ao anoitecer, estava-mos os dois a chorar, e com um medo terrível de ir para casa sozinhos. Os mais crentes, falavam das almas do outro mundo, de várias formas. Uns, imaginavam-nas como pessoas, outros como sombras, outros como barulhos, vozes, aragens, arrepios de frio, etc.
O Tio José da Ribeira, velhinho carismático e sempre bem-disposto, quando bebia qualquer pinguinha a mais, contava muitas histórias sobre feiticeiras, que para ele eram mesmo verídicas. Dizia ele, que, uma bela noite, quando regressava da adega mais o filho Caetano, ali pela canada da Emília acima – uma vereda estreita onde só se passava a pé, que ligava o caminho do meio ou das adegas ao caminho municipal, a Rua dos Bagaços, que por sua vez ligava às outras ruas da freguesia, olhou para o cabeço da Prainha lá ao fundo, e, “elas” eram às dúzias. Umas para baixo, outras para cima, e até outras na direcção dele. (As feiticeiras era descritas na maioria dos casos, como que em forma de luzes incandescentes, mulheres, burras, etc.)
Faltaram-lhe as forças nas pernas, deitou-se e mandou deitar também o Caetano no chão. Elas eram tantas, que só madrugada cedo, depois de até ter pegado no sono, quando levantou a cabeça e viu que já tinham desaparecido, puxou por um braço do filho Caetano e, enchendo-se de coragem disse-lhe: Caetano, agora é p’ra frente, morrer ou viver. Dava gosto ouvi-lo, todo convencido, a contar as suas histórias e cantar as suas canções muito antigas e, praticamente únicas. O Frei João, a Nau-Catrineta, etc.
Como já foi dito, naquele tempo, um dos principais divertimentos, era ir à adega com um petisco, em família ou com um amigo.
Não havia electricidade, por conseguinte, também não havia iluminação pública. Quando saiam da luz da vela, da adega para a rua, viam-se muitas feiticeiras. Eram luzes por todos os lados. Alguns viam-nas sob as mais diversas formas.
Contavam alguns, que, certo curtidor que ia vender a sua sola para os lados da Madalena, ao passar pela Taberna Daniel – “lugar muito perigoso” - ali no lugar do Campo Raso, às tantas da noite, vira uma burra atravessada no caminho com uma corda de rastos, presa ao pescoço. Pensou: este animal vai fazer prejuízo por aí esta noite. E resolveu apanhá-la para amarrar a uma parede, até que o dono aparecesse.
Quando lhe ia pegar na corda, a burra dá uma valente gargalhada e transforma-se numa mulher que ele bem conhecia e era da sua freguesia, saltou-lhe para as costas, e obrigou-o a ir pô-la em casa dela, caso contrário, e ou a denunciasse a alguém, morreria. Com estas ordens, quem podia resistir. Foi pegar e andar, e, bico calado.
Nota: A taberna Daniel, era uma taberna que ficava isolada das casas à beira da estrada, no lugar do Campo Raso. Era um lugar onde, diz a lenda, se assustava muita gente. Por estas e idênticas razões, está claro.
Outro caso, fora passado com um indivíduo da vizinha freguesia de São Mateus, que namorava uma rapariga com quem casou em São Caetano. Certa noite quando regressava a casa já tarde, encontrou uma grande abóbora iluminada com a forma de cabeça de pessoa humana, no extremo das duas freguesias. Ao tentar passar ao lado dela, esta transforma-se em mulher, e, como no caso anterior, obrigou-o a ir pô-la também em casa dela, com as mesmas exigências.
Como as coisas mudaram?! Agora, com a malandrice que por aí prolifera, não sei se teriam tanta sorte.

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